top of page

Autismo e O Menino Astronauta

  • Dan Tell
  • 25 de jul. de 2019
  • 3 min de leitura

Este texto apresenta uma de minhas percepções mais distantes da infância, "décadas" antes do meu diagnóstico como pessoa no espectro do autismo. Dan Tell.

Ele não sabia, mas havia uma nuvem na sua cabeça.

Havia uma espécie de fumaça ao seu redor.

Havia uma lentidão de astronauta em seu corpo.


Infância... A criança se move na casa com o caminhar de um viajante na lua, empurrando um espaço que resiste...


À medida em que as vozes dos que habitam a casa se elevam, ou transmitem alguma perturbação, à medida em que as pessoas se movem mais rápido, com maior pressa ou ansiedade, o pequeno astronauta sente a névoa ao seu redor mais densa e pesada, parecendo tornar o espaço mais resistente ao movimento. O menino para, respira, se move ainda mais devagar naquele espaço enevoado. Chegam-lhe as vozes de sua mãe, e de suas duas irmãs maiores; discutindo algo. A mãe eleva ainda mais voz, irritada com algo, e isto parece enfim puxar um interruptor na mente da criança astronauta, desligando-a. Click!


Tudo fica mais denso, pesado, como uma cortina negra descendo, desagradável, abafando o espaço ao redor...


Instintivamente, a criança se afasta daquela perturbação, principalmente da mãe, que se move mais rápido, muito séria e ansiosa. O pequeno astronauta vai cruzando um vazio denso, movendo-se da sala maior, no centro da casa, até uma sala menor, mais distante de todos, na frente da moradia, e aproxima-se de uma janela, olhando fixamente para fora; à esquerda da casa, uma cerca de arame, isolando um terreno vazio atapetado de relva e mato, além do qual, uma linha de trem, e mais casas a seguir. Nada disso prende a atenção da criança, pois as imagens se mostram difusas como em um sonho nebuloso, e por isso seus olhos se fixam ainda mais além, na direção de árvores, elevações e montes muito distantes, que ainda assim não prendem sua atenção. Somente lhe é possível continuar fixando um ponto fixo e indeterminado no nada, até que tudo escurece por completo, embora por apenas um pequeno instante. Dentro da mente do pequeno astronauta, uma chave desliga,


CLICk!


e logo após, volta a ligar.


A sua visão retorna, tentando se guiar entre a nevoa que abraça o mundo, e o torpor que abafa a mente da criança diminui; a respiração, antes mais curta e presa, flui, agora mais leve. Mas a paisagem lá fora, esfumaçada e opaca, incomoda o menino, trazendo-lhe tédio e desconforto. Ele torna a se mover pela casa, procurando algo novo, talvez se aproximar dos adultos, da mãe na cozinha, que reclama junto com as duas filhas maiores, algo a ver com pressa, e que não vai dar tempo de... a mente do menino apaga as informações (não lhe interessam). Por entre a névoa na sua mente, ele percebe que ninguém o percebe; a mãe muito séria, passa rapidamente por ele, pega algumas notas de dinheiro de uma gaveta, na sala, e retorna depressa à cozinha. Uma das filhas recebe o dinheiro. “Rápido, vá comprar antes que feche”, ordena a mãe, e logo pede a outra filha que a ajude em algo na cozinha. O que elas seguem dizendo, ou o que fazem, não é mais registrado pela criança. Pois sua mente se torna mais enevoada diante do rosto sério da mãe, dos seus movimentos apressados e nervosos. Como se algo a empurrasse, a criança se detém, e foge-lhe todo interesse; o menino se afasta, embora muito devagar, pois lhe é mais difícil avançar no espaço agora. Em sua mente – CLICK –, e por um segundo, tudo escurece. Mas, à medida que a mãe e a irmã ficam para trás, a neblina que se acumulava em torno do menino se torna mais suportável.


Sentindo maior conforto em caminhar, o menino astronauta se sente melhor em uma gravidade mais amigável, avançando no seu ritmo próprio e solitário, retornando à sala menor da casa.


Logo à um canto, sobre um cômodo, uma tv antiga de válvula. Um novo interesse. Seus dedos por entre a névoa... lentos... girando um botão... Brilho... A tela em vidro denso e cinza ganha vida... Imagens... um desenho animado... Ursos gritando, dirigindo um carrinho contra uma patrola-monstro. Mas, em uma lógica invertida, a patrola é absurdamente esmagada, achata-se na calçada como um patê amarelo, enquanto o carrinho frágil segue por cima, impossivelmente intacto.


Por um momento, a criança ergue os olhos de espanto. Mas o que é isso? Entretanto, após alguns segundos, seu cérebro entende – ora, é uma piada. E o menino sorri. O desenho que segue ainda não lhe prende a atenção, e ele abandona a tv ligada, voltando a caminhar pela casa.


Agora a névoa ao seu redor está mais suave, e uma vez ou outra, ele percebe as pessoas na casa se movendo, ou falando... sombras que ora se mostram, ora se apagam entre a neblina de sua mente como habitantes de algum mundo distante...


 
 
 

Comments


Posts Em Destaque
Verifique em breve
Assim que novos posts forem publicados, você poderá vê-los aqui.
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square

© 2017 Dan Tell

bottom of page